Fellet com Fritas: Área de Imigração
Por Carolina Fellet
I
Certa vez me disseram: europeu tem uma obrigação climática de hibernar, se tornar intelectual, tocar instrumentos eruditos e amar a sétima arte. Quero ver conseguir toda essa proeza se banhando no Atlântico no Rio de Janeiro. Ali, o melhor a fazer é aprender pandeiro, cavaquinho ou outro instrumento nômade, compor um samba-enredo e se juntar aos fluviais.
II
Um amigo estrangeiro chegou aos 40 sem nunca ter ido ao dentista. Ele alegava que a água encanada em seu país já tinha uma porcentagem de flúor. Ao se sentar em uma cadeira odontológica pela primeira vez – isso aconteceu no Brasil – e ter as arcadas examinadas com auxílio de instrumento perfurocortante, ele se viu em situação de tortura. O dentista encontrou duas cáries em sua dentição e pediu que o paciente voltasse dali a dois dias para resolver o problema. A espera pela data acometeu meu amigo com insônias, náuseas e síndrome do pânico. Era como se ele estivesse no corredor da morte, a data da execução se aproximasse e ele desse seu último testemunho citando Woody Allen: “não tenho medo da morte, eu apenas não quero estar lá quando acontecer.”.
III
Uma nativa da República Tcheca contou que, aos sete anos, já tomava rum e vodca. Com o consentimento dos pais. Ela explicou que, entre os tchecos, o hábito é supercomum. Mas, com o café, há o maior tabu; ele só é liberado pela família a partir dos 18, porque é considerado altamente viciante.
IV
Um brasileiro que viajou para a Argentina pediu um suco de laranja no restaurante. Como a comunicação não se formou, o garçom lhe trouxe o cardápio. O mais próximo da bebida era o exprimido de naranja. Foi o que o turista pediu. O curioso desse episódio é que, quando os portenhos pronunciam “naranja”, o J da palavra parece sair do centro da Terra; do fundo do âmago do falante.
V
Sempre que vejo um ancião americano almoçando hambúrguer, tenho ímpeto de lhe dizer: desculpe-me pela indiscrição, mas, depois da refeição de Playmobil, tem merenda de verdade, senhor?