Revista Crusoé, Danilo Gentilli e a liberdade de expressão

22 abr | 15 minutos de leitura

“O amigo do amigo de meu pai”

O jornalismo feito pela revista Crusoé sofreu interferências por quatro dias. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na última segunda-feira, 15, que a revista digital “Crusoé” e o site “O Antagonista” tirassem imediatamente do ar uma reportagem com o título: “O amigo do amigo de meu pai”.

Segundo o conteúdo da matéria, o “amigo” citado no título levantava suspeitas sobre a atuação do presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli, em benefício da empreiteira Odebrecht.

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Alexandre de Moraes e Dias Toffoli

Revista Crusoé, Danilo Gentilli e a liberdade de expressão

De acordo com um depoimento à Polícia Federal, o ex-presidente da empresa e delator Marcelo Odebrecht respondeu aos investigadores que o amigo seria Toffoli, citado em um e-mail de 2007, na época em que ele era advogado-geral da União no Governo Lula.

No e-mail, enviado à Polícia Federal pelo empresário, Marcelo Odebrecht pergunta a dois executivos da empreiteira: “Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?“. Não há menção a pagamentos ou irregularidades em relação ao presidente do Supremo.

Para embasar a censura, Alexandre de Moraes alegou que a reportagem era fake news, pois baseava-se em um documento que não estava no processo e a Procuradoria-Geral da República disse que nunca recebeu o documento com a acusação. Segundo o entendimento de Alexandre de Moraes, havia claro abuso no conteúdo da matéria vinculada. Passados quatro dias, o STF voltou atrás e recuou da decisão.

Como resposta à decisão, a revista Crusoé escreveu em um artigo: “A arbitrariedade se estendeu por quatro dias. De segunda a quinta-feira. Felizmente caiu. Mas deixou no ar a marca do autoritarismo. E foi prova de que, quando querem, os poderosos podem retorcer a realidade para atingir o que eles que os incomodam”.

O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Michael Mohallem, em entrevista ao jornal “O Globo”, considera a decisão do STF uma afronta direta à Constituição Federal. “A constituição é explícita ao dizer que não pode haver censura. É possível cercear em hipóteses raríssimas, quando há incitação ao ódio, por exemplo. Está longe de ser o caso”, disse o professor.

Já o site “O Antagonista”, apresentou diversos motivos para novas pessoas assinarem a Crusoé. “É preciso um jornalismo independente para fiscalizar os poderosos e impedir que eles façam o que bem entendem com o dinheiro do imposto que você paga”.

O ministro Alexandre de Moraes defendeu na última segunda-feira (22) sua decisão de censurar primeiro e só verificar depois se a reportagem era fake news. “Você não pode prejudicar a honra de uma pessoa quando há, como houve neste caso, uma nota oficial da Procuradoria-Geral da República, que dizia que não tinha conhecimento de nenhum documento [com uma citação a Dias Toffoli], como argumenta a publicação”, afirmou.

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Capa da revista digital Crusoé

O que outras pessoas acham?

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a decisão de Alexandre de Moraes. Em entrevista a TV Globo, na terça-feira, 16, ele afirmou que o que houve foi “censura e retrocesso”.

Na quinta-feira, 18, em entrevista à Rádio Gaúcha, ele disse: “Mordaça, mordaça. Isso não se coaduna (combina) com os ares democráticos da Constituição de 1988. Não temos saudade de um regime pretérito. Não me lembro, nem no regime pretérito, que foi um regime de exceção, coisas assim, tão violentas como foi essa. Agora o ministro deve evoluir, deve afastar, evidentemente, esse crivo que ele implementou”, afirmou Marco Aurélio.

Já o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, afirmou também na quinta-feira, 18, que considera censura a decisão do STF e que estava faltando bom senso no episódio. “Eu já declarei que considero que foi um ato de censura. Óbvio que está no seio do Judiciário, é uma decisão tomada pelo STF e compete ao Judiciário chegar a um final melhor disso aí tudo“, afirmou Mourão.

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, não citou um caso específico, mas fez uma postagem em uma rede social. “Acredito no Brasil e em suas instituições e respeito a autonomia dos poderes, como escrito em nossa Constituição. São princípios indispensáveis para uma democracia. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável“, escreveu Bolsonaro.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi questionado sobre a ação: “Essa é uma questão que está com o Supremo, espero que o Supremo resolva. A posição minha, pessoal, sempre foi pautada pela liberdade de expressão“, afirmou Moro.

O ministro Celso de Mello, disse, sem informar nomes, que qualquer tipo de censura, “mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, é ilegítima, autocrática e incompatível com as liberdades fundamentais consagradas pela Constituição”, afirmou Celso de Mello.

De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), localizada na França, divulgou na última quinta-feira, 18, uma análise sobre a liberdade de imprensa em 180 países. A pesquisa fez um levantamento sobre 2018 e o Brasil caiu três posições, ficando em 105º lugar.

O estudo leva em consideração as respostas de especialistas sobre um questionário elaborado pela RSF. A análise qualitativa é combinada com dados quantitativos sobre abusos e atos de violência contra jornalistas durante o período avaliado. Com esse resultado, é feito um ranking com os países mais e menos seguros para a imprensa.

A ONG chegou a uma conclusão sobre o Brasil, que diz que a “eleição de Jair Bolsonaro como presidente em outubro de 2018, depois de uma campanha marcada por discursos de ódio, desinformação, violência contra jornalistas e desprezo pelos direitos humanos, anuncia uma era sombria para a democracia e a liberdade de imprensa no Brasil”.

 

Caso Danilo Gentili

Em paralelo a discussão do “amigo do amigo de meu pai”, estava circulando também a condenação do humorista Danilo Gentili, a seis meses e 24 dias de detenção em regime semiaberto pela 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo por crime de injúria contra a deputada federal Maria do Rosário (PT). A sentença foi confirmada no dia 10 de abril pela juíza Maria Isabel do Prado. Danilo Gentili poderá recorrer da decisão ao Tribunal Regional Federal em liberdade.

Em 2016, o apresentador do SBT publicou uma série de tuítes chamando a deputada Maria do Rosário de “falsa”, cínica” e “nojenta”. Ao receber uma notificação extrajudicial pedindo que apagasse as mensagens, o humorista gravou um vídeo rasgando o documento e colocando os pedaços do papel dentro das calças.

No processo, a defesa afirmou que as publicações tinham intenção humorística, justificativa que não foi aceita pela juíza federal Maria Isabel do Prado. “Se a intenção do acusado não fosse a de ofender, achincalhar, humilhar, ao ser notificado pela Câmara dos Deputados, a qual lhe pediu apenas que retirasse a ofensa de sua conta do Twitter, o acusado poderia simplesmente ter discordado ou ter buscado a orientação jurídica de advogados para acionar pelo que entendesse ser seu direito”, disse a juíza.

A decisão da condenação de Danilo Gentili foi baseada na injúria contra a deputada “ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, atribuindo-lhe alcunha ofensiva, bem como expôs, em tom de deboche, a imagem dos servidores públicos federais e a Câmara dos Deputados”, disse a juíza.

Em entrevista ao programa Pânico, no dia 12 de abril, o humorista afirmou que não acredita que será preso, apesar de ter sido condenado. “É praticamente impossível que eu seja preso”, disse. O apresentador ainda lembrou que também não acreditava que seria condenado à prisão. “Se me perguntasse uma semana atrás se eu seria condenado à prisão, eu diria que é impossível”, confessou Gentili.

Em se tratando de liberdade de expressão, a juíza disse que sim, ele tem direito à liberdade de expressão como qualquer outro cidadão, mas se excedeu. “Sempre que o abuso da liberdade de expressão malferir outro direito fundamental, como é o caso do direito à honra, o indivíduo ficará sujeito às restrições previstas”, disse a juíza.

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Imagem retirada do Instagram de Danilo Gentili

O que outras pessoas pensam?

A defesa do humorista Danilo Gentili afirma que ele não teve a intenção de humilhar a deputada, e por isso, deve ser absolvido do crime de injúria. “Ele quis fazer um comentário humorado. Temos que diferenciar humor mais ácido de crime”, afirmou Rogério Cury, advogado de Gentili.

A advogada Marina Pinhão Coelho Araújo, doutora em direito penal pela Faculdade de Direito da USP, disse que a sentença está tecnicamente correta e apenas faz valer a previsão legal de que abusos da liberdade de expressão sejam punidos posteriormente. “A liberdade de expressão foi garantida ao Danilo, tanto que ele fez o que fez. Não concordo com o discurso de que uma decisão como essa cria autocensura, censura futura para outros casos. Todos têm que ser responsabilizados por seus atos”, afirma a advogada.

O advogado criminalista Fernando Castelo Branco, professor da Escola de Direito do Brasil complementa: “Liberdade de expressão é um direito inarredável, inquestionável, num Estado democrático de Direito, mas não é uma carta branca à licenciosidade. Tem humoristas ácidos, mas extremamente inteligentes, que são capazes de falar coisas que possam até incomodar, mas que não resvalam em ofensa”, diz.

Em apoio a Danilo Gentili, diversos humoristas defenderam o apresentador. Até Jair Bolsonaro saiu em defesa de Gentili. “Me solidarizo com o apresentador e comediante @DaniloGentili ao exercer seu direito de livre expressão e sua profissão, da qual, por vezes, eu mesmo sou alvo, mas compreendo que são piadas e faz parte do jogo, algo que infelizmente vale para uns e não para outros”, escreveu o presidente no Twitter.

Fábio Porchat também defendeu o apresentador pelo Twitter. “Muito perigoso um político que exige que você apague seus comentários. A não ser que eles sejam criminosos, eles podem ter o teor que for. Goste ou não do conteúdo do que o @DaniloGentili falou ou fez, ele tem o direito de fazer. Vivemos tempos sombrios”, escreveu Porchat.

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O que diz a lei?

O Código Penal brasileiro estabelece a possibilidade de pena de seis meses a um ano de prisão para injúria, mas a Justiça deve avaliar se há provas de que houve real intenção de ofender, como explica o criminalista Fábio Tofic Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. “Não se criminaliza o animus jocandi, ou seja, a intenção de fazer graça, a narração de um fato ou o animus criticandi, de fazer crítica política, já que agentes públicos estão sujeitos a isso”.

Tofic afirma que para crimes como de Danilo, não há sentido uma pena de prisão. “Não me parece que um crime contra a honra possa ensejar qualquer tipo de restrição de liberdade. Em muitos casos, essa determinação é simbólica. O próprio código estabelece que crimes sem violência e que não ultrapassem a pena de quatro anos podem ter a pena comutada”, diz o criminalista.

 

Danilo Gentili e Marcelo Freixo

O humorista e apresentador Danilo Gentili é um velho conhecido da lei. Em abril de 2019, um dia após ser condenado ao regime semiaberto, ele foi condenado a pagar indenização de R$ 20 mil ao deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) por ofensa, injúria, difamação e danos morais

Em maio de 2017, Danilo postou no Twitter uma notícia da revista Veja que relatava que a ex-mulher de Freixo o acusou de machismo. Gentili escreveu: “Pô Marcelo Freixo mas vc é uma farsa mesmo hein seu merda. E seus black blocs? Mataram mais alguém esses dias?”. No mesmo dia, ele publicou outro tuíte: “Eu fico mexendo com o Marcelo Freixo no twitter e preciso ficar esperto… seu eu fosse mulher já tinha apanhado…”.

 

Rafinha Bastos e Wanessa

Um outro caso famoso no Brasil foi de Rafinha Bastos e Wanessa Camargo. Em 2011, quando Wanessa estava grávida, Rafinha Bastos, que era integrante do CQC, na época, disse ao vivo durante o programa que “comeria” Wanessa e o bebê.

A cantora e o marido, Marcus Buaiz, entraram na justiça contra Rafinha, que perdeu no primeiro julgamento. Resultado? Rafinha Bastos foi condenado a pagar R$ 150 mil à cantora.

 

WikiLeaks

A WikiLeaks é uma organização internacional que divulga dados confidenciais, como documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre temas sensíveis a essas pessoas.

Um dos casos mais famosos foi a divulgação de um vídeo, em 2007, que mostra o ataque de um helicóptero do exército norte-americano em Bagdá, que matou pelo menos 12 pessoas, entre elas dois jornalistas da agência de notícias Reuters, além de documentos secretos que confirmam a morte de milhares de civis na guerra do Afeganistão em decorrência da ação militar dos Estados Unidos.

O fundador do WikiLeaks é o australiano Julian Assange, que estava sob proteção da embaixada do Equador em Londres, mas foi preso recentemente. Ele foi condenado pela justiça britânica por não ter cumprido ordens de se apresentar ao tribunal em 2012. Na época, ele era acusado de agressão sexual a duas mulheres na Suécia. Depois de algum tempo as acusações foram retiradas.

Mas no meio disso tudo estava os maiores interessados: Estados Unidos, que seguem insistindo em um pedido de extradição de Assange, para que ele possa ser julgado pelos vazamentos dos documentos confidenciais americanos.

O Brasil não aparece nessa polêmica internacional, mas recebeu diversas menções no conteúdo vazado pela Wikileaks. Dentre eles, estavam a relação entre Brasil e EUA, a preocupação da Ministra Conselheira da Embaixada americana, Lisa Kubiske, em relação ao atraso das obras para Olimpíadas e Copa do Mundo, a relação com a Dilma, entre outros.

O grande “X” da questão em se tratando de Wikileaks é: por que Assange foi condenado e transformado no inimigo número um dos EUA? Por que divulgar informações que são do interesse público é crime? Será por causa das bandeiras que são levantadas pelos governos dos países?

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Julian Assange

Banco do Brasil, o comercial retirado do ar e a demissão do diretor de marketing

Um comercial do Banco do Brasil voltado para jovens entrou no ar no início de abril. Ela foi suspensa no dia 14 do mesmo mês, após o presidente Jair Bolsonaro assistir a publicidade.

Além de tirar do ar, o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, acatou um pedido do presidente do país e demitiu o diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim. O caso só foi divulgado no dia 25 de abril, pelo jornal O Globo.

Como a campanha publicitária era dirigida ao público jovem, os atores do comercial eram jovens, mulheres, homens, negros, uma personagem transexual, muitos com tatuagens e cabelos coloridos.

Oficialmente, Novaes disse que foi “uma decisão de consenso”, mas algumas pessoas afirmaram que o presidente do Banco não tinha visto a campanha até a ligação de Bolsonaro.

 

Confira a campanha:

 

O que há de certo e errado em todos esses casos?

De acordo com o que foi visto, a decisão do STF em barrar uma matéria dos portais Crusoé e “O Antagonista” foi exagerada e descabível, como afirmou diversas pessoas ligadas ao governo. Tanto que o próprio STF recuou sobre a exclusão da matéria, além de que foi comprovado que houve a citação de Dias Toffoli em e-mails da Odebrecht. 

O caso de Danilo Gentili tem erros e acertos. Para Christian Dunker, psicanalista e professor da USP, “quando a democracia se expande, tornando-se mais e mais inclusiva, a liberdade de expressão é positiva. Quando a democracia se torna restritiva, alcançando menos pessoas, a liberdade de expressão torna-se pretexto para ofender outros e legitimar violência“. Em nosso entender, Danilo exagerou na piada, mas a prisão seria um ato exagerado. 

Já no caso WikiLeaks, tudo está errado, pois ele mostrou o que país nenhum ou empresa nenhuma quer mostrar e todo cidadão quer ver. Por isso esse é um dos grandes casos de liberdade de expressão, pois os mais interessados em guardar as informações, como Estados Unidos, vão fazer de tudo para evitar ainda mais exposição. 

Na segunda-feira, 22, Alexandre de Moraes determinou que as buscas e apreensões nas residências de suspeitos de serem autores de ofensas e ameaças contra integrantes da STF vão continuar. “Nós vamos continuar investigando, principalmente – e esse é o grande objetivo do inquérito aberto por determinação do presidente do Supremo – as ameaças aos ministros do STF. O que se apura, o que se investiga não são críticas, não são ofensas. Até porque isso é muito pouco para que o Supremo precisasse investigar. O que se investiga são ameaças graves feitas, inclusive, na deep web, como foi já investigado pelo próprio Ministério Público de São Paulo“, declarou Moraes.

Alexandre de Moraes ainda disse que vai ser investigado o vazamento do documento relativo a Dias Toffoli. “Como eu coloquei na minha decisão, ou foi um exercício de futurologia da matéria, dizendo que já estava na Procuradoria e a PGR nem tinha conhecimento, ou alguém vazou. Vazamento é crime, principalmente vazamento de algo sigiloso de uma delação premiada ocorrida num caso importantíssimo”, completou Alexandre.

Sobre o recente caso do Banco do Brasil, a assessoria do presidente disse que não vai se manifestar sobre o caso. Mas me responda: uma publicidade feita para jovens, para atrair a atenção dos mesmo, deveria ter qual formato? Pessoas engravatadas trabalhando ou coisas cotidianas que representam a realidade da maioria dos jovens do Brasil?

O que será que o presidente Jair Bolsonaro pensou quando viu jovens negros, tatuados e com cabelos coloridos representando o banco que leva o nome do país? Por qual motivo ele mandou tirar a campanha do ar?

 

É bom ficarmos atentos!